
"Vamos coletar o Papanicolaou?" - o exame virou rotina no mundo todo. O câncer do colo do útero é muito comum e novos casos diminuíram drasticamente nos países que adotaram esse exame como forma de rastreamento universal (ou seja, em todas as mulheres).
Desenvolvido em 1923 pelo médico grego Georgios Papanikolaou, é um teste de rastreamento, ou seja, serve para separar as mulheres em grupos de risco e para decidir quem deve realizar exames mais aprofundados. O teste consiste em coletar células de uma região específica do colo uterino e buscar lesões pré-cancerígenas causadas pelo Papilomavírus Humano, o famoso HPV. Ele também pode identificar infecções vaginais e outras anormalidades no colo uterino e endométrio (camada interna do útero), mas não foi desenhado para isso.
Ao longo dos anos os protocolos de rastreamento foram mudando e novos testes foram surgindo. Nossa compreensão da doença também se ampliou, assim como as opções de tratamento e até vacinas. Faz muito tempo que só o teste do Papanicolaou não é suficiente, e nem deve ser realizado todos os anos e nem por todo mundo. Nesse artigo vou tentar resumir o protocolo americano, com algumas adaptações para a realidade brasileira. E já vou dar um spoiler: COLPOSCOPIA NÃO É EXAME DE ROTINA!!!!!
Vamos ao protocolo. Vocês podem baixar o material abaixo se vocês quiserem se aprofundar mais.
Quando começar o rastreamento?
A idade para começar os exames varia muito entre os países. Nos EUA se recomenda começar aos 21 anos, independentemente se a moça já começou a vida sexual ou não. Aqui no Brasil fazemos diferente, começando com 25 anos e somente nas pacientes que já iniciaram a vida sexual. Mas por que essa diferença?
Sabemos que o câncer do colo do útero é causado pelo HPV, que é transmitido por via sexual, por isso que no Brasil defendemos coletar o exame somente nas pacientes com vida sexual ativa. E antes dos 25 anos prevalecem as lesões iniciais, que a própria imunidade da paciente dá conta do recado e elimina sozinha em 90 a 95% dos casos. Nos EUA defende-se o limite dos 21 anos pelos mesmos motivos, mas eles consideram outros estudos e outros limites como aceitáveis. Na prática, eu começo com 21 anos também pelo fato de ser um exame simples e barato que pode evitar catástrofes mais pra frente. Então fiz uma mistura de ambos os protocolos, usando aquilo que eu entendo ser mais lógico.
21 a 29 anos: Papanicolaou a cada três anos.
Defendo iniciar os exames preventivos a partir dos 21 anos nas pacientes que já iniciaram a atividade sexual. "Mas doutor, os protocolos americanos dizem para fazer em todo mundo, até em quem não começou a fazer sexo!" - é verdade, e os motivos deles são muito bons. Veja só, eles dizem muitas mulheres ficam com vergonha de dizer ao ginecologista que já fazem sexo ou que começaram na adolescência, outras não consideram um abuso sexual que sofreram na infância como uma atividade sexual, e ainda há aquelas que esquecem que o HPV pode ser transmitido só pelo contato pele a pele de genitais, sem penetração, e daí acham que nunca fizeram sexo. Por isso é importante desenvolver um relacionamento de confiança com seu ginecologista.
A recomendação é repetir o Papanicolaou a cada três anos nessa faixa etária, se todos vierem normais. Não precisa fazer captura híbrida do HPV, não precisa de nada mais sofisticado, e principalmente, não precisa de colposcopia. Já vou explicar o que são esses exames todos mais pra frente.
30 anos em diante: várias estratégias...
As recomendações sobre quem deve fazer os testes continuam as mesmas, ou seja, praticamente todo mundo. Mas depois dos 30 anos aparecem algumas opções mais interessantes para o rastreamento do HPV.
Papanicolaou sozinho a cada três anos. Só tem acesso ao Papanicolaou, ou o seu médico só conhece esse exame? Sem problemas, você não está perdendo nada. Se o seu Papanicolaou está normal você repetir a cada três anos sem problemas.
Papanicolaou sozinho + exame do HPV (se houver alteração) a cada três anos. Algumas vezes o resultado do Papanicolaou vem com uma alteração chamada ASC-US, que é uma sigla para dizer que os patologistas encontraram alterações mas não tem certeza se são causadas pelo HPV ou por alguma outra coisa, uma infecção por exemplo. Nessas situações, se você só tem acessso ao Papanicolaou, então você deve repetir o exame em seis meses. Mas se o seu médico coletou o exame do HPV junto com o Papanicolaou, e apareceu esse ASC-US, então o laboratório já checa se aquela alteração foi causada pelo HPV ou não.
Exame do HPV sozinho a cada cinco anos. Ficar sem o Papanicolaou? Exatamente, você leu direito. Você pode procurar a presença do HPV a cada cinco se você fizer somente o exame do HPV.
Exame do HPV sozinho + Papanicolaou (se HPV positivo) a cada cinco anos. É a estratégia inversa do segundo item. Você procura o HPV e se ele estiver presente você faz o Papanicolaou para saber se há alguma alteração causada por ele.
"Mas doutor, não pode fazer o exame do HPV em mulheres com menos de 30 anos?" - Não é recomendado. Antes dos 30 anos a imunidade das mulheres costuma dar conta do recado e elimina o HPV espontaneamente.
"Doutor, meu médico coleta o Papanicolaou todo ano." - Como eu disse, não precisa. Mas esses protocolos e estratégias não são leis e cada médico acaba interpretando essas informações conforme sua experiência e julgamento pessoal. Se ele acha que precisa coletar todo ano, então maravilha! Ele não está errado. Errado seria não coletar nunca.
"E qual estratégia você prefere?" - Prefiro a última estratégia, quando o convênio da paciente cobre o exame do HPV, e a primeira estratégia quando não cobre.
Resultados alterados no Papanicolaou
Antes de tudo é importante lembrar uma coisa.
Nem todas as alterações no Papanicolaou são câncer!
O HPV causa alterações nas células superficiais do colo do útero que podem ser vistas no microscópio e são classificadas em Baixo Grau e Alto Grau conforme o nível de alterações e o risco de virarem um câncer mesmo.
O que pode aparecer no seu laudo?
O seu laudo parece uma sopa de letrinhas? Vem comigo que eu te explico.
Negativo para lesões intraepiteliais ou malignidade. Esse é o exame negativo, sem alterações. Segue o jogo!
Células escamosas atípicas (ASC-US e ASC-H). São células que fogem do normal mas não preenchem os critérios para classificação de lesões pré-cancerígenas mais características. Quando provavelmente é benigno chamamos de ASC-US, sigla em inglês para células com alterações de significado indeterminado. Se no meio dessas células eles acharem um punhado de células com alterações mais suspeitas, então vamos chamar de ASC-H.
Lesão intraepitelial de baixo grau. São as alterações típicas de HPV que costumam curar sozinhas, e portanto são de baixo risco. Abrangem as lesões do tipo NIC1.
Lesão intraepitelial de alto grau. São alterações típcas de HPV também, mas são muito mais suspeitas e obrigatoriamente devem estar acompanhadas por algum comentário indicando doença invasiva. É o grupo das lesões do tipos NIC2 e NIC3.
Carcinoma de células escamosas. Esse é o resultado que ninguém quer receber. Significa que foi detectado células cancerígenas na amostra coletada no Papanicolaou.
Células glandulares atípicas. São células mais internas do colo do útero ou mesmo de dentro do útero. Se elas tiverem um aspecto meio estranho vai aparecer esse termo no laudo.
Células glandulares atípicas com características neoplásticas. São as mesmas células glandulares, mas com alterações mais estranhas em que não se conseguiu afastar nem confirmar o diagnóstico de câncer.
Adenocarcinoma in situ. Puxa, encontraram células cancerígenas na amostra, mas por enquanto está localizado e sem invasão. É um câncer microscópico.
Adenocarcinoma. Células cancerígenas estão presentes. Infelizmente.
Vou discutir o que fazer em cada caso num post separado, mas vou ficar muito feliz em responder suas perguntas, então fique à vontade para deixar comentários e dúvidas.