
Que precisa tomar ácido fólico praticamente todo mundo sabe, mas mesmo assim recebo muitas dúvidas sobre esse assunto. Quando eu começo? Quando eu paro? Pode tomar a gravidez toda? O metilfolato é melhor? É verdade que a dose que os médicos dão é muito alta? Ah nós vamos abordar todas essas dúvidas e um pouco mais, mas lembre-se que se você não encontrar a resposta para as suas dúvidas aqui, deixe um comentário que eu vou atrás e te respondo.
Por que devo tomar?
Tomar ácido fólico antes e depois da concepção, ou seja, do momento em que o óvulo se encontra com o espermatozóide, diminui a ocorrência e a recorrência de defeitos de fechamento do tubo neural. Ficou difícil? Explico. No início, quando o embrião está se formando, ele parece uma panqueca. Com o tempo essa panqueca irá se enrolar para formar um tubo que posteriormente irá se modificar para formar o embrião. Acontece que as pontas desse tubo precisam se fechar, o que não acontece algumas vezes, formando os tais "defeitos de fechamento" que eu comentei aí em cima. Se não fechar o lado da cabeça nós teremos, por exemplo, as encefaloceles, e se não fechar a região lombar nós teremos, por exemplo, as mieloceles. Tudo bem até aqui?
Folato e Ácido fólico
Agora precisamos desfazer algumas confusões. De vez em quando você vai topar com gente falando do folato como se fosse igual ao ácido fólico, eles não são a mesma coisa. O primeiro se refere à vitamina B9, que é solúvel em água e é encontrada naturalmente em vários alimentos, como no fígado bovino, vegetais folhosos, ervilhas e feijões, abacate, ovos e leite. Já o ácido fólico é a forma sintética do folato, presente em comprimidos, mas também adicionado a alimentos como um fortificante. No Brasil ele é adicionado à farinha de trigo e em alguns anticoncepcionais (caso ele falhe ou a mulher faça um uso incorreto da pílula).
Na prática, os dois são metabolizados no nosso corpo e viram a forma ativa - a que realmente vai trabalhar pela gente - o L-5-metiltetrahidrofolato. Ele também é comercializado já na forma ativa como sais de cálcio, mas qualquer uma das formas (folato, ácido fólico ou esse palavrão aí em cima) funcionam e tem o mesmo efeito.
Qual a dose certa?
Vários estudos mostraram que a dose ideal é de 400 mcg por dia (ou 0,4 mg/dia).
Como eu sei que preciso de suplementação? Só o que eu como não é suficiente?
Ah quem me dera fosse suficiente! O enriquecimento da farinha de trigo consegue fornecer mais ou menos 163 mcg por dia, o que não é adequado para prevenir os defeitos de fechamento do tubo neural. Você deve estar se perguntando por que então eles colocam isso na farinha. A verdade é que estudos epidemiológicos mostraram que mesmo não sendo a dose ideal, essa pequena dose já faz diferença na população, reduzindo bastante os bebês com malformações. Mas mesmo assim é melhor suplementar com vitaminas para poder chegar nos níveis adequados.
Alguns hábitos podem prejudicar a absorção de folato da comida. Por exemplo:
Dietas low-carb em que se come poucos alimentos com farinha.
Dietas com muitos alimentos orgânicos, porque eles não são fortificados com ácido fólico.
Anorexia e outros distúrbios alimentares.
Insegurança alimentar -- quem passa fome.
Existem alguns remédios que causam uma deficiência de folato, como a fenitoína, sulfas, trimetropim (geralmente vem em antibióticos) e o metotrexato.
Ok, então quando eu devo começar a tomar e quando eu paro de tomar?
Idealmente, pelo menos 1 mês antes de engravidar até o final da gestação. A principal fase de formação dos órgãos do bebê se dá nas primeiras 14 semanas, mas ele também é útil no final da gestação, quando o folato é necessário no crescimento e desenvolvimento fetal.
Alguns protocolos defendem começar a suplementação 3 meses antes de engravidar. Então porque estou falando em 1 mês? Porque não estamos tratando uma deficiência grave de folato, mas só suplementando. Na realidade o folato em excesso é eliminado na urina e os níveis no sangue ficam normais quase que imediatamente. A ideia dos 3 meses é que esse é o tempo que demora para todos os glóbulos vermelhos do nosso sangue serem trocados por novos glóbulos ricos em folato.
O ácido fólico previne outras malformações?
Um estudo muito forte de 2015 concluiu que o ácido fólico sozinho ou junto com outras vitaminas não tem influência nenhuma em outros defeitos de nascença. Maaaasssss.... Alguns estudos epidemiológicos relataram uma diminuição em algumas malformações depois que a suplementação universal foi introduzida em uma determinada população. Esses defeitos são o lábio leporino e a fenda palatina, alguns defeitos cardíacos, malformações esqueléticas que encurtam os membros, malformações urológicas e hidrocefalia. Para casais que possuem alguém na família com algum desses defeitos deve tomar uma dose maior - 1 mg/dia.
Opa, pera lá, uma dose maior de ácido fólico?
Isso mesmo, uma dose maior de ácido fólico, praticamente o dobro. E quem tem um histórico de defeitos de fechamento do tubo neural na família devem tomar uma dose 10 vezes maior - 4 mg/dia
E é verdade que o ácido fólico aumenta a chance de ter gêmeos?
Ah essa é uma história que volta e meia volta por aqui. Não, não é verdade. Na realidade a quantidade de gêmeos aumentou muito nos últimos anos, mas é difícil associar isso à suplementação com ácido fólico. As técnicas de reprodução humana também tem uma grande parcela de culpa nessa conta.
Mas doses altas não afetam a inteligência da criança?
Um estudo sugeriu o excesso de ácido fólico (mais que 1 mg/dia) poderia estar associado com efeitos neurológicos ruins não relacionados aos defeitos de fechamento do tubo neural. Os estudos nessa área são conflitantes e ainda não temos uma resposta definitiva sobre se afeta ou não o desenvolvimento neuropsicológico das crianças. Por conta disso, só recomendo algumas mulheres que possuem um alto risco de malformações a usar essas doses mais altas.
Ouvi falar que pode causar alterações epigenéticas, aumentando a chance de doenças nas crianças quando elas forem adultas. É verdade isso?
O ácido fólico tem um papel na metilação do DNA, então existe uma preocupação teórica de que a suplementação possa causar alterações epigenéticas que podem resultar, à longo prazo, em doenças, especialmente as imunológicas, como as alergias e doenças respiratórias. Mas apesar da teoria muito bonita, nenhum estudo sério encontrou essa relação.
A minha amiga tomou ácido fólico direitinho e mesmo assim teve um filho com mielomeningocele, o ácido fólico não funcionou?
Pois é, não previne sempre. Ninguém sabe direito, mas parece que diminui o risco de ter um filho com problemas entre 50 e 70%. Mesmo usando altas doses de ácido fólico cerca de 1% acaba passando. A gente não tem uma explicação definitiva sobre isso, mas parece que existem algumas mulheres que possuem anticorpos contra os receptores de ácido fólico, mas podem ser outros fatores! Uma glicemia mal-controlada antes de engravidar, algum remédio que interferiu no metabolismo e até mesmo o uso de saunas ou banhos muito quentes já foram usados para tentar explicar esse fenômeno.