
A história da Diabetes Gestacional é muito antiga. Os antigos egípcios já conheciam uma doença relacionada ao excesso de urina e até possuíam alguns tratamentos para essa condição, mas foi apenas no segundo século que ela recebeu o nome de Diabetes, que em grego significa "passar através de um sifão", pois a quantidade enorme de urina se assemelhava à passagem de água por um sifão. Foi nessa época que também se registrou pela primeira vez outros sintomas da Diabetes: o cansaço, sede e fome excessivos. Os médicos indianos foram os primeiros a perceber que a urina desses pacientes era doce! No século XVII o Dr. Willis experimentou a urina de vários pacientes com diabetes e também registrou que a urina deles era doce, e no século XVIII o Dr. Dobson, mais inteligente, fervia a urina até sobrar um resíduo açucarado. Foi Cullen que, em 1769, deu o nome de Mellitus para a diabetes que possuía urina com cheiro e sabor de mel, e Insipidus para a diabetes (mais rara) cuja urina não possuía sabor nem cheiro algum.
No século XIX foi descoberto que havia uma Diabetes Mellitus Juvenil e outra Senil, essa última mais comum em idosos (que na época era em torno dos seus 40 anos) e obesos, enquanto a outra podia surgir na infância e adolescência e era mais grave. Surgia a Diabetes tipo 1 e Diabetes tipo 2. Foi mais ou menos nessa época que se descobriu também que havia um terceiro tipo de diabetes, uma que surgia durante a gravidez e depois sumia após o parto, a Diabetes Gestacional. Por muito tempo acreditou-se que era uma manifestação normal das gestantes e que não deveria ser tratada e nem mesmo pesquisada. Ela era até mesmo desejada, pois estava mais relacionada com bebês grandes e gordos. Também era mais comum nas gestantes de classe mais alta, que tinham acesso a alimentos com mais carboidratos, e era frequentemente usada como forma de se saber que a gestação era "normal" e "saudável".
As consequências da Diabetes Gestacional
Hoje sabemos que a diabetes na gestação não é um bom sinal e está relacionada a muitos problemas. Mas antes de avançarmos, precisamos separar as gestantes diabéticas em dois grupos: (1) as que engravidaram já com diabetes, ou com diabetes pré-gestacional; e (2) as que não tinham diabetes antes de engravidar e desenvolveram a doença ao longo da gestação, a diabetes gestacional propriamente dita.
Diferente das gestantes com diabetes pré-gestacional, as mulheres com a verdadeira diabetes gestacional não possuem maior risco de malformação fetal, pois as alterações no controle de açúcar no sangue apareceram depois que os órgãos do bebê se formaram, e também tem menos complicações ligadas à doenças de vasos sanguíneos porque o tempo em que ficam diabéticas é muito curto.
Então quais são os problemas relacionados à verdadeira diabetes materna gestacional (DMG)?
Bebês grandes para a idade gestacional (GIG) e Macrossomia. Os bebês GIG são aqueles que estão acima do percentil 90 na escala de peso, e Macrossomia é o bebê que nasce com peso superior a 4500 g. São as complicações mais comuns relacionadas à DMG. Sabemos que esse aumento do peso fetal pode ser observado a partir das 20 a 28 semanas e está intimamente ligado ao excesso de glicose no sangue materno. O ganho excessivo de peso (mais que 18 kg) dobra esse risco. Mas um bebê grande e gordinho não é bom? Na verdade, não. O parto é bem mais difícil e possui um risco muito maior de machucar o bebê no processo, com lesões no plexo braquial, distócia de ombros, fratura de ossos e necessidade de internação na UTI Neonatal sendo muito comuns.
Pré-eclâmpsia. Gestantes com DMG tem um risco maior de ter pré-eclâmpsia do que gestantes sem DMG. Ponto. A dificuldade da insulina em fazer as células do corpo consumirem a glicose (chamada resistência à insulina - as células ficam mal-criadas e não aceitam os pedidos insistentes da insulina para "comer" a glicose, é como aquela criança birrenta que não quer comer a salada) também está relacionada aos mecanismos que causam a pré-eclâmpsia e outras doenças de pressão arterial alta na gestação.
Excesso de Líquido Amniótico (Polidrâmnio). Ninguém sabe direito ainda como surge o excesso de líquido amniótico, só sabemos que é bem mais comum em pacientes diabéticas. Achamos que é excesso de urina fetal. Os riscos que o polidrâmnio representa para a mãe e o bebê ainda não são totalmente conhecidos, mas sugere-se que está mais relacionado à complicações do parto e pode levar à um parto prematuro. No entanto, nem todos os estudos concordam com isso.
Óbito do bebê dentro do útero. Não tem jeito fácil de falar sobre esse assunto. Pacientes com DMG tem um risco maior de perder o bebê antes dele nascer, principalmente as que possuem um controle ruim da glicemia, principalmente aquelas que deixam a glicemia cair demais.
Complicações após o parto. Recém-nascidos filhos de mães diabéticas possuem múltiplas complicações transitórias após o parto. Os nomes são assustadores: hipoglicemia, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, policitemia, estresse respiratório e/ou cardiomiopatia. Essas complicações aparecem mais nas diabéticas que possuem um controle glicêmico ruim, principalmente aquelas que deixam a glicemia subir demais. Ou seja, se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. O controle correto da glicemia é importantíssimo nas gestantes diabéticas.
Mas olha só, esses eram os problemas de curto prazo relacionados à diabetes materna gestacional. Há problemas com repercussão no longo prazo. Essas crianças que ficaram expostas à diabetes dentro do útero possuem uma chance maior de serem obesas, terem problemas com o controle da glicemia e desenvolverem a terrível Síndrome Metabólica quando se tornarem adultas. E para as mamães pode significar que mais pra frente elas podem desenvolver a Diabetes Mellitus tipo 2, aquela do idoso, lembra?
Mas quem pode ter Diabetes Gestacional?
Estudos americanos mostraram que cerca de 6% das gestantes acabem tendo DMG, mas mulheres com ascendência negra, latina, indígena e asiática (ou seja, praticamente todo o Brasil) tem os maiores riscos de desenvolver a doença. Você é branca e tem Diabetes Gestacional? Você é muito azarada.
Mas esses números estão aumentando. Acreditamos que é porque as mulheres estão engravidando cada vez mais tarde e cada vez mais acima do peso ideal. E quais são os fatores de risco? Anota aí:
História de DMG em uma gestação anterior.
Ser negra, latina, indígena ou asiática.
História familiar de diabetes (pais e irmãos).
Peso maior que 10% do ideal (pesar mais que 66kg para quem deveria pesar até 60, por exemplo) ou IMC maior que 30 antes de engravidar, ganho de peso excessivo na adolescência ou adulto jovem ou entre as gestações, ou ganho excessivo de peso entre as 18 e 24 semanas.
Idade materna maior que 25 anos.
História de óbito inexplicável de um bebê totalmente formado, ou mal-formação fetal.
Excesso de glicose na urina no início do pré-natal.
Bebê anterior pesou mais de 4kg.
Colesterol e Triglicérides altos, HDL (colesterol bom) abaixo de 35 mg/dL.
Síndrome Metabólica, Ovários Policísticos, uso de corticóides, hipertensão ou doença cardiovascular.
Gestação gemelar.
Se você está se sentindo péssima porque está cheia de fatores de risco então não fique assim. Somente 10% da população de grávidas dos Estados Unidos não tem nenhum fator de risco. Esse monte de fator de risco só serve para justificar pesquisar a Diabetes Gestacional em todas as mulheres grávidas, com exames programados durante a gestação.
Mas eu sei o que vocês estão querendo saber: existe o que fazer para diminuir o risco de eu ter diabetes? A resposta é SIM! Existe sim!
Perder peso ANTES de engravidar.
Exercícios físicos moderados ANTES e DURANTE a gestação, principalmente no começo enquanto a barriga não está tão grande.
Preferir uma dieta saudável e equilibrada.
NÃO FUMAR. Sério.
Está em estudo um suplemento a base de mio-inusitol, um açúcar que aparece naturalmente em frutas, nozes e grãos. Parece bem promissor, mas ainda precisamos avançar mais antes de recomendar pra todo mundo.
E é isso. Obrigado se você leu até aqui. Diabetes Gestacional é muito comum, tem suas complicações, mas também tem tratamento. Deixe seus comentários e perguntas, vou ficar muito feliz em saber como vocês estão lidando com isso e também em responder todas as dúvidas que surgirem.
Informação é fundamental. Passo por isso hoje, e quando estamos bem informados lidamos melhor com a parte psicológica que o problema traz e assim nos faz buscar alternativas e soluções para amenizar problemas futuros. Gratidão por toda a informação e acompanhamento de qualidade e humano para com seus pacientes e para com todas as demais mãezinhas que não tem um suporte tão adequado como deveriam.