
Este é o último artigo dessa série sobre Diabetes Gestacional e vamos abordar como tratar e controlar a glicemia durante a gestação.
Antes de tudo, entenda que o tratamento adequado da diabetes gestacional pode melhorar muito os desfechos da gestação, evitando os principais problemas associados. A maioria das mulheres conseguirá controlar a glicemia só com ajustes na dieta, mas 30% delas irá precisar usar algum tipo de medicamento para ajudar. Vamos falar de tudo isso, mas é importante lembrar que você não deve se tratar sozinha, a diabetes gestacional é uma doença séria que deve ser acompanhada por um ou mais médicos experientes.
Tratamento nutricional
Espera aí, tratamento? Desde quando comer ou deixar de comer alguma coisa é tratamento? Desde sempre, oras! E tanto é um tratamento que o ideal seria que toda gestante com diabetes gestacional também acompanhasse com um(a) nutricionista! E vou te contar, faz toda a diferença, viu? Os principais objetivos do tratamento nutricional são:
Controlar a glicemia.
Evitar a cetose (condição que aparece se a glicemia ficar muito baixa por muito tempo).
Providenciar um ganho de peso adequado durante a gestação, baseado no IMC antes de engravidar.
Contribuir para o desenvolvimento e bem-estar fetal.
A grande maioria das mulheres é capaz de controlar a glicemia só com mudanças em seu estilo de vida, o que envolve mudanças no que você come, na maneira que você come e como você prepara seus alimentos. Também envolve atividade física e administração do peso!
Apesar de cada mulher ter necessidades diferentes quando falamos de alimentos e aconselhamento nutricional, vamos dar algumas dicas e linhas gerais que poderiam ser usadas por todo mundo, não só as diabéticas.
Use adoçantes com moderação. Isso mesmo, apesar do açúcar ser terrível, os adoçantes também não são nada santos. O ideal seria a gente se acostumar a ser menos "formiga" e tirar coisas excessivamente doces, seja com açúcar ou com adoçante, da nossa vida. Se for pra usar um adoçante prefira a sucralose e o aspartame, e evite a sacarina, que atravessa a barreira placentária e chega no bebê.
Não existe uma dieta ideal para gestantes diabéticas. Já foram estudadas várias estratégias nutricionais para gestantes diabéticas, mas nenhuma funcionou com todo mundo, apesar de conseguirem excelentes resultados com boa parte das pacientes estudadas. O ideal é uma dieta com poucos carboidratos (não sem carboidratos) e sem jejuns prolongados.
Plano nutricional. O plano é ter três refeições pequenas a moderadas e dois a quatro snacks ao longo do dia. Ele deve ser ajustado conforme o resultado das glicemias medidas depois dessas refeições e em jejum, apetite, padrão de ganho de peso e rotina da mulher, incluindo aí o horário reservado aos exercícios (já reparou que não existe dieta sem exercícios?).
Exercícios. Sim, precisa de exercícios, e acho bom ir se acostumando! O exercício físico obriga as tuas células a consumir mais glicose do sangue e deixa ela menos rebelde, aceitando níveis mais baixos de insulina. Ou seja, de certa forma o exercício físico é a cura para a diabetes. Os melhores são os cardiovasculares, aqueles que fazem seu coração acelerar, sua respiração aumentar e você suar bicas. Quer dicas? Bicicleta ergométrica, hidroginástica e caminhadas (não é passear, é caminhar pra valer!). Se precisar, escrevi um artigo só sobre exercícios na gravidez e puerpério.
Como e quando monitorar a glicemia em casa?
Na realidade, não existe um jeito ideal, como muitas coisas em Medicina...
A maioria dos protocolos médicos pede para medir pelo menos em quatro momentos do dia: em jejum e uma ou duas horas após a primeira mordida das refeições. Esses valores devem ser anotados em uma tabela. Eu deixei um modelo que você pode baixar e usar gratuitamente.
A maioria dos médicos reduz a frequência com que você monitora a glicemia se ela começar a se manter em níveis normais, o que acontece mais ou menos uma semana depois que você começar a fazer a dieta e os exercícios direitinho.
Existem duas maneiras de monitorar a glicemia: a tradicional, que fura a ponta do dedo todas as vezes e funciona muito bem, e uma mais moderna e mais cara também, mas que evita que você fique se furando sempre. Consiste num aparelhinho que fica preso à pele e basta aproximar o leitor para saber a glicemia sempre que quiser. Para mais informações você procurar esse artigo escrito pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
Quais são os valores normais de glicemia?
Adivinha: ainda não sabemos, e existe pouco consenso na literatura. Para vocês entenderem, esse limite é o que usamos para dizer quando os benefícios de se usar a insulina supera os riscos que este medicamento traz para a gestante, e isso é muito difícil de determinar. Os principais protocolos (da ADA e da ACOG) recomendam os seguintes limites:
Jejum: menor que 95 mg/dL.
1 hora após as refeições: menor que 140 mg/dL.
2 horas após as refeições: menor que 120 mg/dL.
Nenhum dos valores deve estar abaixo de 75 mg/dL.
Mas existe pouca orientação nesses protocolos sobre quando devemos partir para a insulina. Alguns começam com dois ou mais valores alterados, enquanto outros esperam que quase todos fiquem alterados. Boa parte dos médicos que conheço, no entanto, prefere começar a insulina quando pelo menos um terço dos valores está alterado. É importante lembrar que não queremos glicemias baixas demais.
Tratamento com remédios
Oficialmente, no Brasil só podemos usar a insulina, mas nos EUA e em alguns países europeus já permitido o uso de hipoglicemiantes orais, comprimidos que ajudam a controlar a glicemia. A ideia aqui não é dar doses, até porque não quero ninguém se auto-medicando, ok? Vou apresentar algumas opções e tipos de insulina, e dar uma pincelada nas opções orais que provavelmente serão aprovadas para uso aqui no Brasil também.
Insulina. Como eu disse antes, a gente inicia a insulina quando as glicemias estão altas apesar do tratamento nutricional e exercícios. Mas iniciar a insulina não significa que a dieta e os exercícios devem parar! Muito pelo contrário, a insulina é um suplemento, as mudanças no estilo de vida são o verdadeiro tratamento.
Um outro motivo para iniciar a insulina, menos conhecido, são as características do bebê no ultrassom. Alguns autores defendem mães de bebês com circunferência abdominal maior que o percentil 75 a partir das 28 semanas recebam insulina, tendo glicemias normais ou levemente alteradas. Nesse pensamento, mães com glicemias altas mas com bebês com circunferência abdominal menor que o percentil 75 podem diminuir a frequência de monitoramento da glicemia. A ideia é diminuir os efeitos colaterais da insulina em bebês que não possuem evidência de que estão crescendo excessivamente com a diabetes da mãe.
Tipos de insulina. Esse é um capítulo muito interessante e emocionante da Medicina e um dia vou escrever um artigo só sobre ele. Nosso corpo só produz um tipo de insulina, mas nosso pâncreas é um órgão incrível que consegue fazer um controle em tempo real das nossas necessidades e produzir exatamente a quantidade que precisamos naquele momento. Para reproduzir esse comportamento com injeções de insulina precisamos ter vários tipos diferentes de insulina sintética.
Ultra-rápida: Lispro, Aspart e Glulisine (essa última não foi estudada em grávidas). São insulinas que agem em poucos minutos mas também perdem seus efeitos em poucos minutos. São ideais para controles pontuais da glicemia.
Rápida: Insulina Regular Humana. Foi a primeira a surgir e a mais parecida com a natural, produzida pelo nosso corpo. Age rapidamente, mas demora mais tempo para fazer efeito e também para perder sua ação. É usada para o controle da glicemia após as refeições.
Lenta: Insulina NPH. Foi a segunda a surgir. Ela possui uma ação bastante longa, cerca de 12 horas, e é usada para manter um nível constante de insulina no corpo ao longo do dia. Quando usada de manhã, possui um pico de ação perto do almoço.
Ultra-lenta: Glargina e Detemir. Revolucionárias, duram o dia todo e não fazem pico de ação, tornando o controle da glicemia mais fácil. Apesar disso, elas não foram muito estudadas com gestantes. Elas aparentam ser seguras, mas mesmo assim a recomendação é evitá-las durante a gestação. Se forem realmente necessárias, é melhor usar a Detemir.
O que fazer em caso de HIPOGLICEMIA?
Algumas vezes as glicemia vai cair abaixo de 60 mg/dL, principalmente durante a madrugada ou logo antes do desjejum, e acontece mais comumente mas gestantes em uso de insulina. A sensação é de suar frio e uma tonteira. Muita gente acha que comer ou beber alguma coisa doce irá fazer com a glicemia melhore, mas isso não é o suficiente. Alimentos ricos em açúcar fazem a glicemia subir muito rápido e depois cair muito rapidamente, às vezes pior do que antes. O ideal é um lanchinho rico em proteínas e carboidratos, para sustentar a glicemia por mais tempo. A ADA recomenda que se beba leite desnatado ou semi-desnatado - o leite é rico em lactose (um açúcar) e proteínas naturais do leite, que mantém a glicemia por mais tempo.
Assim que a gestante se sentir melhor, é bom medir a glicemia de novo. Talvez ela precise de um pouco de insulina para corrigir a glicemia após o "tratamento" e para confirmar que o lanchinho funcionou.
Hipoglicemiantes Orais (Metformina e Gliburida)
São remédios capazes de controlar a glicemia sem precisar ficar se espetando para aplicar a insulina. No Brasil ainda não foi liberado o seu uso em gestantes, infelizmente, mas acredito que isso deva acontecer em breve. De qualquer maneira, vou dar uma pincelada nesse assunto para vocês saberem que existe e pode ser usado.
O uso desses remédios em gestantes foram estudados em dois grandes artigos publicados em 2017 e em 2020, apontando que possuem efeitos e segurança semelhantes, sendo que a metformina é um pouco melhor. Isso acontece pelo mecanismo de ação das duas, que é completamente diferente. A metformina diminui a rebeldia das células permitindo que a insulina funcione de maneira mais eficiente, enquanto que a gliburida obriga o pâncreas a trabalhar mais, produzindo mais insulina. A metformina também possui um efeito que ainda não entendemos bem, mas parece que consegue controlar a pressão das gestantes, independentemente dos níveis de glicemia, além de prevenir câncer e aumentar a longevidade. Veremos.
Mas existem riscos. Os níveis fetais de gliburida são altos, cerca de 70% dos níveis maternos, e os da metformina são mais altos ainda, cerca de 200% dos níveis maternos. Apesar de esses medicamentos não causarem malformações anatômicas fetais, não sabemos seus efeitos a longo prazo.
Glifage começa a ser efetivo na redução da glicose após qto tempo de uso?
Amei seu artigo sobre diabetes gestacional, obrigada por sempre tirá nossas dúvidas. Sou do Rio e está difícil acha um medico tao bom, que explica tudo. Quase entrei em depressão por ter perdido um bebê, sem informação nenhuma, tenho sop e dês que virei mocinha sem tive redução a insulina. Hoje estou melhor pela alimentação e o glifage.