
Definir o que é normal parece uma tarefa simples, mas é bastante complicada. O que parece ser perfeitamente aceitável para alguém pode ser ultrajante para outra pessoa. Assim, os critérios para que qualquer coisa possa ser considerada "normal" podem variar com o tempo e com a região. Com o trabalho de parto (e outras coisas do mundo médico) não é diferente e essas definições estão mudando constantemente. Vou tentar explicar o que consideramos uma progressão normal de trabalho de parto atualmente, retomando um pouco da visão histórica da obstetrícia.
Antes de tudo, o que é trabalho de parto?
Parece uma pergunta simples, mas existe muita confusão quando o assunto é trabalho de parto. Isso acontece porque existem mulheres que passam por horas de tortura com várias contrações sem nenhuma dilatação e outras com dilatação sem nenhuma contração. Existe trabalho de parto sem dilatação? Existe dilatação sem trabalho de parto? Sim, existe tudo isso e muito mais! Mas vamos por partes, ou melhor, por fases - as fases ou estágios do trabalho de parto.
Pródromos...
É uma fase não oficial em que aparecem um monte de contrações irregulares, com duração e intervalos variáveis. Diferente das contrações de treinamento, elas são doloridas na maioria das vezes e conseguem dilatar um pouco o colo, mas sem um ritmo de dilatação fixo. Podem durar desde algumas horas até alguns dias.
É um período muito difícil para a mulher, que sente as dores mas não vê progresso na dilatação. Muitas acabam preferindo a cesárea nesse momento ou algum tipo de alívio da dor, que não passa com remédios comuns. Mas se ela tiver paciência essa fase passa e se inicia o trabalho de parto propriamente dito
Dicas:
- para aliviar um pouco as dores você pode usar a água quente do chuveiro ou do banheiro, ou mesmo uma bolsa de água quente.
- massagem vigorosa na região lombar durante as contrações também costuma ajudar bastante!
- fique de olho nos movimentos do seu bebê. Eles podem diminuir, mas não devem parar.
- não deixe de comer e se hidratar! Prefira alimentos de digestão fácil e em pequenas porções.
- faça um controle das contrações anotando num papel o horário de início e fim de cada uma. Existem aplicativos para celular que fazem isso por você e deixam sua vida mais fácil.
1º estágio: fase latente e fase ativa
Consideramos que esse estágio se inicia quando as contrações estão chegando a cada 3 a 5 minutos.
Na fase latente a dilatação ainda não tem um bom ritmo, mas já se iniciou. Essa fase pode durar várias horas. Já na fase ativa essa dilatação segue uma progressão mais ou menos certa, de 1 a 2 centímetros por hora na maioria das mulheres, sendo mais lento nas pacientes que nunca tiveram uma dilatação antes. É a fase mais dolorida, com contrações intensas de até 90 segundos cada 2 minutos. Geralmente começar entre 4 e 6 centímetros de dilatação.
Dicas:
- é muito comum vomitar bastante no final da fase ativa, perto dos 8 cm de dilatação, por isso evite comer ou beber muito. Prefira água e alimentos sem pedaços, como gelatina e sorvete.
- caminhar e se movimentar ajudam muito nesse período.
- evite ficar só deitada, preferindo ficar de pé ou sentada.
- não precisa fazer força! Além de não ajudar pode deixar você mais susceptível a lacerações.e
- nessa fase o toque vaginal não precisa ser realizado num intervalo menor que 2 horas
- o bem-estar fetal deve ser checado a cada 30 minutos aproximadamente, ouvindo o coração com um sonar. O ideal seria um acompanhamento contínuo da frequência cardíaca fetal, mas nem todos os lugares tem estrutura para isso.
- as dicas para controle de dor do estágio anterior continuam valendo!
- você pode optar passar por esse estágio sem dor alguma com a ajuda da analgesia peridural.
2º estágio: dilatação total - o período expulsivo
Pronto, você alcançou a dilatação total de 10 centímetros e abriu totalmente a passagem para o bebê começar a nascer. O nome desse estágio é bastante sugestivo - o útero "expulsa" o bebê pra fora. As contrações seguem bastante intensas e doloridas, e começam a empurrá-lo para fora um pouquinho de cada vez. Pode durar de 1 a 3 horas.
Dicas:
- só faça força se o seu corpo "pedir";
- você sabia que existem várias posições diferentes para fazer seu parto? Uma rápida olhada no Google pode te surpreender. Talvez uma outra posição pode ser mais confortável pra você.
- se tiver curiosidade, peça ao seu obstetra ou assistente para permiti-la sentir a cabeça de seu bebê nascendo.
- nesse estágio o bem-estar fetal deve ser checado a cada 5 minutos.
- a bolsa pode não ter rompido! O seu obstetra ou assistente pode ter que romper a bolsa nesse momento.
3º estágio: dequitação ou "nascimento" da placenta
Depois que o bebê nascer o parto ainda não acabou!! Enquanto você está lá curtindo seu bebê as contrações continuam mais um pouquinho para expulsar a placenta, um processo que chamamos de dequitação. Não dói tanto quanto um bebê nascendo, mas incomoda um pouco, principalmente se tiver lacerações. Pode demorar até 30 minutos.
Dicas:
- não precisa mais fazer força!
- é possível que seu obstetra tenha que massagear seu útero para que a placenta saia.
4º estágio: Período de Greenberg
Também é um estágio não oficial mas muito praticado. Nessa fase você deve estar amamentando e feliz da vida, porque o bebê já nasceu e a placenta já saiu. Não existem mais contrações, no máximo uma cólica leve. Então o que acontece nesse período? Vigilância materna - esse é o período de 1 hora imediatamente após a saída da placenta em que se deve manter uma vigilância constante sobre a mãe para identificar riscos de sangramento/hemorragia e até convulsão!
Dicas:
- relaxe, o parto acabou.
- seu companheiro(a) pode ser muito útil nesse momento, chamando a equipe de enfermagem ou médicos caso você se sinta mal ou repare que existe uma poça de sangue se formando.
O que é então um trabalho de parto normal?

Na década de 1950, o Dr. Emanuel Friedman se fez essa mesma pergunta e acabou por estabelecer alguns critérios para se afirmar que a progressão de um trabalho de parto era normal. Ele desenhou o que se conhece até hoje como a Curva de Friedman - uma escala visual da progressão do trabalho de parto.
Curiosamente, ele foi provocado a pesquisar e criar o partograma pela Dra. Virginia Apgar, a mesma do Score de Apgar, que na época estava interessada em saber como a analgesia alterava o trabalho de parto e o procurou atrás de respostas. Acontece que não havia como se responder essa pergunta na época.
Certa noite ele estava de plantão no Centro Obstétrico do Columbia Presbyterian Medical Center em Nova Iorque quando sua esposa entrou em trabalho de parto. Ele pediu ao seu superior para ser dispensado do plantão para acompanhar sua esposa, mas recebeu uma negativa. Frustrado, ele começou a rabiscar num papel algumas características do trabalho de parto de suas pacientes, anotando a frequência, duração e achados de exame físico. Começava a surgir dali seus primeiros rascunhos do trabalho que o tornaria famoso. Ele percebeu que havia uma curva sigmóide (em forma de "S") no ritmo de dilatação de suas pacientes e a partir dessa observação ele criou a famosa curva que leva o seu nome. E pra quem está se perguntando, ele conseguiu chegar a tempo de assistir o parto de sua primeira filha.

O Dr. Friedman estabeleceu que no trabalho de parto normal a dilatação do colo do útero evolui cerca de 1 cm por hora a partir dos 3 ou 4 cm de dilatação. Essa definição foi usada por décadas e levou a muitas práticas hoje consideradas no mínimo questionáveis, como o abuso do uso da ocitocina para "correção do trabalho de parto", e recentemente começou a ser questionada e revisada.
Hoje acreditamos que a fase ativa do trabalho de parto (no 1º estágio, lembra?) começa com 5 a 6 cm de dilatação, que o ritmo de dilatação pode ser menor que 1 cm por hora e ainda assim ter bons resultados para a mãe e para o bebê, e que a dilatação do colo do útero não segue uma linha linear (segue uma curva hiperbólica).

Existe um debate muito intenso em torno dos dois modelos. Pessoalmente eu prefiro a Curva de Zhang, mais moderna e mais condizente com o que eu tenho observado na minha prática médica. Ela mostra, por exemplo, que a dilatação pode demorar um bocado até chegar nos 6 cm, principalmente em mulheres que estão em sua primeira gestação, e que, portanto, eu não preciso ficar acelerando artificialmente um trabalho de parto nessa fase. Isso me permite fazer menos cesáreas, por exemplo. Hoje eu uso uma mistura dos dois, dando preferência à Curva de Zhang mas sem ignorar a Curva de Friedman.
É importante lembrar que atualmente sabemos que o impacto da analgesia no trabalho de parto não é tão grande como se pensava a 50 anos atrás. Acreditava-se que ela deixava tudo mais lento, o que não é verdade. Se existe alguma diferença ela está na fase expulsiva, que pode durar um pouco mais de tempo.
Sugiro fazer um tópico sobre analgesia peridural. Nos ajudaria muito!
Novo olhar da medicina, humanização, estudos mais recentes e busca do profissional em se manter sempre atualizado.
Não é modinha é atualidade.
Parabéns por nos esclarecer e nos fazer entender antes e depois de alguns estudos para que tomemos nossa decisão baseada em conhecimentos.