Relato de parto - o lado do médico (2)

Meu maior medo como médico não é errar ou tomar uma decisão errada. Sou humano e conheço meus limites, por isso me esforço muito para que dê tudo certo. Existem fatores que simplesmente não estão sob o nosso controle. Você pode chamar de sorte ou azar, destino, karma, ou o que você quiser - eu acredito num Deus pessoal e antes de cada parto, de cada procedimento e de cada decisão eu faço uma prece implorando por sabedoria. Senhor, me dê sabedoria para orientar essa paciente, guie as minhas mãos.
Orientar. Essa é a palavra-chave da minha linha de medicina. Acredito que a paciente e seu cônjuge são adultos experientes e os únicos que conhecem sua realidade suficientemente bem para tomarem decisões em relação ao seu corpo e ao seu futuro. A mim cabe a orientação, resolver conflitos e, principalmente, ficar ao lado a todo instante. Esse papel isso exige uma relação de confiança forte e pura, respeito e amizade. Sim, amizade. Somos humanos, complexos e sociáveis, e um relacionamento médico-paciente não pode ser mecânico e completamente técnico, robótico. Às vezes o melhor tratamento é simplesmente ouvir, abraçar e chorar juntos. Às vezes é um olhar risonho e confortador, outras vezes é um toque, um afago, um "vai ficar tudo bem". Máquinas não fazem isso, assim como médicos-deuses em seus pedestais. É preciso romper algumas barreiras e dividir o coração.
Minha paciente estava cochilando. Eu ouvia sua respiração suave e tranquila, alheia ao intenso trabalho de parto que estava se desenrolando em seu ventre. Seu marido estava descansando também, pela primeira vez sentindo que as coisas estavam sob controle. Eu continuava olhando para o monitor da cardiotocografia, cada batida do coraçãozinho daquele bebê me mantinha acordado em minha vigília. Eu não estava sozinho. Minha auxiliar e amiga estava num canto da sala com fones de ouvido concentrada em sua meditação. Tão diferente, tão calmo, todo parto deveria ser assim. Mas infelizmente, essa não é a realidade de muita gente. Ao longo da minha curta carreira como médico obstetra eu tive a oportunidade de estar presente a muitos nascimentos. Fui a primeira pessoa a tocar muitas crianças, e pegar nos braços, a consolá-las pela primeira vez. Vi muitas mulheres gritarem, se transformarem de dor e serem marcadas para sempre. Por que ainda precisa ser assim?
Minha vigília estava chegando ao fim. Minha paciente acordou e disse estar sentindo vontade de fazer força. Um último toque vaginal mostrou que a criança logo estaria nos braços sorridentes daquela futura mamãe. Em qual posição você fica mais confortável? Quase sempre resposta um grande ponto de interrogação como resposta. Sim, poucas mulheres sabem ou se sentem confiantes em parir em uma posição diferente da ginecológica. Acham que essa é a posição "normal" e a melhor. Bem, é a mais comum, concordo, mas não necessariamente a melhor. Recentemente eu fiz um parto em uma paciente que escolheu uma posição de cócoras sobre a cama e deu tudo muito certo. A posição mais comum em Madasgascar, enquanto eu trabalhava como médico missionário, era a "lateral" - nem sempre haviam mesas ginecológicas disponíveis.
Ela escolheu a posição ginecológica mesmo. Sem problemas, também funciona. As contrações eram intensas e ela as podia sentir, mas gargalhava entre uma e outra, relaxada e feliz. O clima na sala de parto não era de apreensão, mas de alegria! Não havia gritaria e um silêncio respeitoso ocupava a maior parte do tempo, interrompido apenas pelas batidas do coração daquele que era o centro de todas as atenções.
Alguns empurrões e um bocado de paciência e os cabelos logo apareceram. Vagarosamente, a cabeça do bebê foi entreabrindo os lábios da mãe, a pele ao redor se acomodava e abria passagem para o passageiro cabeludo que estava chegando. Cada contração, cada força, cada incentivo tornava esse momento mágico mais próximo. Os minutos passavam rapidamente e mesmo assim parecia que uma eternidade se passava entre uma contração e outra. A vontade era de puxar, de acelerar essa saída de alguma forma. Não apresse o rio! - lembrava da minha avó me dizendo - o bebê está bem; está tudo bem. Confesso que nem sempre fui assim. Alguns anos atrás eu teria feito uma episiotomia e resolvido a questão. Foi uma luta vencer esse hábito.
Nasceu! Ele nasceu! - bem, o resto da história eu vou deixar para vocês imaginarem. Meu trabalho estava feito e eu podia descansar, era hora de sair de cena e deixar aquela família se conhecer e desfrutar seu mais pacotinho.