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Ritmo


Hoje encontrei uma paciente muito ansiosa. Está com 37 semanas e meia e logo estará com seu bebê nos braços. Finalzinho de gestação é complicado, com vários desafios. Não se dorme mais direito e tudo parece doer. Estranhamente, ou comicamente, as grávidas de último mês lembram muito minhas pacientes mais idosas. Queixas por queixas, ela estava se perguntando se não valeria a pena adiantar o parto para abreviar esse suplício e também matar a ansiedade de conhecer logo a criança, ao que eu respondi que ela deveria esperar pacientemente a natureza cumprir seu curso. E contei a seguinte história.


Em 2019 eu era um outro Richard. Trabalhava cerca de 14 horas por dia, tinha poucas pacientes no consultório e mal fazia ultrassom. Meu foco era ser um coordenador de Obstetrícia e gerir uma empresa de serviços médicos. Eu tinha saído da residência recentemente e em pouco tempo fui convidado para ser coordenador, e isso subiu muito na minha cabeça. Acontece que essa não é uma vida fácil: grandes responsabilidades e muitas cobranças. Os piores casos chegavam na minha mesa e eu tinha que resolver. Muitas questões éticas me perturbavam, mas o dinheiro era bom e eu ostentava com orgulho o cargo que muitos, mesmo depois de anos de trabalho, não haviam alcançado.


Além desse ritmo frenético, eu vim de uma família muito trabalhadora. Meu avô dormia 4 horas por noite e minha avó trabalhava em vários empregos para criar duas filhas sozinha. Meu pai, autônomo, não parava nem aos finais de semana e nem nas férias em família. Eu não tinha porquê ser diferente, e quanto mais eu trabalhasse mais eu ganharia - "Sou jovem", pensava eu, "preciso aproveitar para trabalhar agora". Pois é, jovem que sou fiquei doente com o ritmo frenético de trabalho, dieta cheia de porcarias e noites mal-dormidas. Doença de idosos: herpes zoster ou cobreiro. Pra piorar, a doença se alastrou e atingiu minhas meninges, complicando com uma meningoencefalite e vasoconstrição de artérias paravertebrais em duas ocasiões. Traduzindo: muito grave. Fiquei na UTI 2 semanas e no quarto mais 1 semana.


Essa experiência me fez lembrar um episódio da minha adolescência. Tive o privilégio de conhecer meus bisavós paternos, Johann e Ingeborg Bentz. Agricultores, eles possuíam uma pequena propriedade em Piedade - SP onde cultivavam framboesas, amoras, morangos e raiz forte. Um dia fomos visitá-los no sítio e meu Opa (avô em alemão) foi me mostrar todo contente uma muda de uvaia que ele havia cultivado e logo iria transplantar. Ele havia escolhido um lugar especial para a plantinha, que se tornaria uma árvore grande e carregada, começando a produzir dali uns 15 anos.


Quinze anos?! Quinze anos. Meu bisavô de 92 anos estava plantando uma árvore que ele nunca chegaria a ver produzir, nunca colheria sequer um fruto. Como ele conseguia? Ainda consigo vê-lo dando de ombros e dizendo casualmente "paciência de agricultor".


Acontece que o povo da terra tem uma sabedoria que nós, da cidade, perdemos. A Natureza tem um ritmo. As coisas precisam acontecer na ordem e no tempo certo. Acelerar ou retardar esse processo causam problemas e nos coloca lutando contra uma força descomunal. Paciência é uma escolha que devemos fazer diariamente, é libertadora.

Precisei ficar doente, quase morrer, para entender que forçar meu corpo e minha psique além de seus limites naturais não é saudável. Aprendi a ter paciência e esperar as coisas acontecerem.


Gestar e parir são fenômenos naturais e que também possuem um ritmo próprio e exigem paciência. As coisas não devem acontecer num ritmo que se ajuste à nossa agenda, mas pelo contrário, devemos ajustar nossa vida ao redor desses acontecimentos e aceitar que fazemos parte desse mundo natural. Acredito que um fator importante que explica a quantidade absurda de cesáreas em nosso país seja justamente a falta de paciência de pacientes e médicos. Vou repetir para fixar o conceito: gravidez, trabalho de parto e parto exigem paciência.


Hoje trabalho menos, durmo mais e como melhor. Deveria estar me exercitando também, mas um dia eu chego lá. Você não precisa ter uma experiência como a minha para escolher um ritmo mais lento. Se respeite e deixe a vida seguir seu curso natural. Talvez você não colha os frutos agora, mas, como fazia meu bisavô, dê de ombros e se alegre com as suas realizações de agora e seja mais feliz.





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